December 11, 2009

Esse tipo de coisas


Veja você, caro leitor, o cara está apaixonado! Não faz nada que não seja falar do seu amor. Em suas palavras não pode ser encontrada uma sequer dedicada às questões que importam ao mundo. Nada sobre a liberação da maconha, nem sobre o dinheiro encontrado nas meias e nas cuecas dos corruptos, nenhuma palavra sobre a importantíssima reforma política e a reforma do estado ou sobre os bancos estatais. Não, nada disso. O pobre só consegue ficar alienado em sua mundinho pequeno burguês, enclasurado numa fantasia privada, criada provavelmente no início da modernidade com o tal do amor romântico. É impressionante o total afastamento das coisas do mundo. Os sérios problemas provocados pelas crises dos mercados, o terrorismo ameaçando permanentemente a paz, as discussões sobre israelenses e palestinos que nunca chegam a lugar nenhum, tudo isso é absolutamente alheio ao apaixonado que só vê estrelas e galáxias espalhadas pelo corpo da mulher que o enternece. A tipos assim só lhes interessa o gozo egoísta do corpo, uma espécie de retrocesso, regressão fantasiosa ao útero da mãe. É um filho da mãe!

A situação é explícita, veja só, caro leitor.

“Alimenta minha alma com esse pão sem manteiga, com esses doces infernais. Põe esse manjar na minha boca e fortalece meu desejo. Acende um baseado, abre a janela e me dá um beijo.

Toma banho comigo nesse rio, nessa água verde com areia branca no fundo. Deixa eu limpar tua boca, úmida e gordurosa. Senta aqui e bebe esse suco de maracujá, está bom de doce. Deixa eu ficar no meio das tuas pernas enquanto dobro a ponta do lençol. Não temos pressa, as artes estarão esperando por nós nos museus. Sim, gosto de morder teu joelho, as dobras da tua perna e os tornozelos. Essa dobras todas eu gosto de morder e sentir o sabor. Alimenta minha alma, minhas ilusões e fantasias. Deixa que eu viaje por esse mundos desconhecidos, que guardas com tanto segredo.

Esquece o Papa, deixa ele canonizar quem quiser. O mundo precisa de santos e beatos. Vem para perto, deixa eu morder tuas orelhas. Não importa o PIB do segundo semestre, nem o resultado incerto das pesquisas. É melhor acreditar que as coisas vão melhorar. Chega disso, vem aqui que quero lamber tuas gengivas, tua lingua cheia de geléia de jabuticaba. Vamos desligar esse abajú, essa cor é esquisita. Prefiro a luz natural iluminando teus cabelos perfumados, soltos, macios. Deixa tua mão comigo para que eu possa olhar com cuidado tuas unhas pintadas combinando com a harmonia dos teus pelos.

Vem, abre mais as pernas. Deixa eu chegar mais próximo, cada vez mais dentro, até o infinito. Eu sei, você já me disse e eu fico sempre feliz em lembrar isso. Adoro seu sorriso, o jeito enigmático do seu olhar”.

É caso para internamento, caro leitor! Nossa época não comporta esse tipo de coisas.