May 26, 2010

Uma ração diária de olhar


Construi para mim uma prisão. Como dizer isso?

Tento dizer escrevendo assim:


Uma ração diária de olhar.

Há, no filme El secreto de sus ojos, numa das cenas finais, um devastador instante no qual um prisioneiro roga a inusitado visitante para que o carcereiro lhe dirija uma única palavra.

No filme, condenado a prisão perpétua, um bandido útil ao estado, é libertado. O homem, cuja mulher foi morta pelo criminoso, indignado, executa, ele mesmo, a pena. Vai morar num lugar isolado e lá faz uma cela. Torna-se carcereiro.

Um dia, por acontecimento raro, chega alguém e o prisioneiro implora ao visitante para que o carcereiro fale com ele. O homem cuidava para que seu prisioneiro vivesse o resto da vida em cativeiro e silêncio. Eram passados vinte e cinco anos. O prisioneiro nunca ouve a voz do seu carcereiro, apenas sabe que ele está ali fornecendo o mínimo para sua sobrevivência. Nenhuma palavra, apenas uma ração diária de olhar.

É assim que também vou vivendo, prisioneiro da minha ração diária de um olhar longínquo. Sem palavras, sobrevivo dos frios números das estatísticas e da alegria que esses olhos trazem para minha vida.

Como na imagem do pássaro, deito a cabeça no travesseiro dos sonhos e das esperanças.