October 31, 2009

Runas


Mergulhado na leitura de LTI, de Victor Klemperer, descubro as Runas evocadas no período negro da fome de morte. As palavras trocam de palco, trocam de cenário e sentido. Proliferam currículos e memórias, proliferam esquecimentos e temores. Desço as esquálidas dobras do caminho e encontro as Runas do Esquecimento, dos Medos e das Fantasias.

Um sorriso fica esquecido no canto da página, os olhares tomam outras direções e procuram o vão vazio da escada. Debaixo dela estão guardadas as memórias e os fragmentos esquecidos nas caixas embaladas, com fitas do Senhor do Bomfim. Os deuses estão empacotados em conserva e exalam cheiro de naftalina, alfazema e arruda.

As imagens, aquelas que traduzem o ofício do poeta, vagam em manhãs de quartas feiras e de domingos insondáveis. Portugal me espera, me desespera, me procura. Portugal é essa tristeza que guardo de ti nesse pós doutorado digital que vai custar mil euros, mil palavras e outros valores, esquecidos nalguma dobra do parque de Palermo, de alguma calle Florida.

Olho as Runas, os oráculos da nossa história e da tua enigmática ausência. Percebi tudo isso em um domingo de manhã. Estávamos tomando um café na cozinha. Eu olhava teus olhos e desejava tua existência cruzar perpetuamente a minha. As Runas dizem que o tempo é de silêncio. Não creio nelas. Creio em ti pois tenho certeza que não dizes nada. Não ouço mais que o teu olhar, teu enigmático desaparecimento.