November 12, 2009

O que resta?




As palavras “amor” e “adoro” estavam gastas. “Te amo” e “te adoro” derramavam-se em excesso e já causavam um certo mal estar. O silêncio se impunha de forma imperativa. Nenhuma palavra era bem vinda. Nenhum sinal de carinho ou afeto era suportado. Tudo parecia ter desandado, saturado, inflamado como uma ferida madura pronta para arrebentar sob a pele vermelha, deixando aparecer aquelas coisas estranhas e indesejáveis, que podiam ser sentidas a olho nu. E doia. A conversa era sofrida. A estranheza, cada vez maior, levava a impossibilidade de comunicação a um estado crônico.

Escrever, por um lado e por outro, implicava problemas. Quando as palavras “amor” ou “adoro” apareciam, eram sempre acompanhadas do “eu”. Eu te “adoro”, eu te “amo”. Esse “eu” aí era um problema a ser resolvido. Ele também fazia parte daquilo que desandou debaixo da pele fina.

A pontuação era uma sofrimento particular, enlouquecedor e, talvez, o maior deles. O sofrimento, as dúvidas por não saber usar os estranhos sinais, ocupava a maior parte do trabalho. Não era fácil encontrar e dizer, com certa felicidade e alguma economia, as palavras disponíveis. Pontos e vírgulas, travessões, interrogações, vírgulas e reticências formavam a linha de frente do desafio. O uso excessivo de pontos, de frases curtas, deixava o texto truncado e confuso. Qualquer especialista em linguística, ou um bom piscólogo, veria logo que as “falhas” no estilo revelavam uma inconsistência, as palavras não se firmavam.