November 13, 2009

Té para dos


Escrever tornou-se uma necessidade imperiosa para a sobrevivência física e mental diante da ausência. Dias e noites buscando palavras que traduzam os sentimentos incertos, os pensamentos distantes e o desejo explodindo pelo corpo.

Dias de solidão e leitura. Livros e mais livros. Leituras cuidadosas, perguntas e dúvidas dirigidas em todas as direções e olhares. Retomadas de palavras, estranhas montagens, construções as mais absurdas, combinações inesperadas, cálculos os mais infames.

A “necessidade imperiosa” implicava perguntar pela validade e certeza dos pensamentos e das palavras. Tentativas de sanear eventuais delírios, obsessões absurdas ou uma patologia da alma que não conduzisse a nada. Era o trabalho de escavar palavras que ajudassem à sobrevivência, a diminuir a dor da dor.

A famosa frase de Talleyrand, ecoando através do tempo, continua sem solução. “A linguagem existe para ocultar o pensamento do diplomata (ou de uma pessoa ardilosa e suspeita)”. Isso é ou não uma verdade?

Muitos acreditam, parece ser o caso de Jacques Lacan e Victor Kemplerer, que se trata do contrário. “A linguagem sempre revela o que uma pessoa tem dentro de si e deseja encobrir, de si ou dos outros, ou que conserva inconscientemente… uma pessoa pode fazer declarações mentirosas, mas o estilo deixará as mentiras expostas”.

O “amor”, a “adoração”, o coração romântico das frases feitas, as orações budistas de desejos vazios, as declarações do Banco Central, as estatísticas que nós mesmo falsificamos, as lágrimas que nem mesmo choramos, as metas cumpridas, tudo isso é uma armadilha, uma droga barata correndo pelas veias sujas, entupidas.

Daí as runas, os sinais mágicos que guardam os autênticos sentimentos. As imagens e as metáforas loucas, insanas, verdadeiras mas difíceis de serem compreendidas. Mudei de casa, viajo em dezembro para o Natal, volto no começo de janeiro e é possível que em fevereiro eu esteja em março descendo pelo buraco do jardim. É possível que na esquina próxima minha alma espere a tua, que juntas cruzem a rua e procurem um té para dos, com medialunas, é claro.