April 20, 2010

Manhã



É manhã, pássaros anunciam um dia de luz e calor. O vento ameno, vindo do outro lado do mar, atravessa a pequena sala onde faço as refeições. Uma fruta repousa sobre a mesa esperando que eu faça algo. É vermelha e, quando a miro com ganas, vejo você espelhada na pele perfeita e musical. Ouço a doce mais que suave e doce voz de Dinah Washington cantando Cold, Cold Heart e a fruta sobre a mesa é o teu corpo me convidando.

Aqui, sem você, sou esse comedor de frutas vermelhas ouvindo jazz no lento deslizar da manhã. O mar, sempre ele no horizonte das minhas esperanças, lembra as distâncias intermináveis entre o sonho e a flor que você é, na curva dos rios e nos altos das montanhas.

Depois de tudo isso o café forte bem Melita lembra o pós-doc e as eternas e intermináveis providencias burocráticas. Tenho que escrever um projeto com metodologia e quadro de atividades para o poema que penso ler. Não fosse essa fruta vermelha, linda e pura sobre a mesa, que é você, eu já teria dito não a tantas inutilidades programadas. Do outro lado do oceano, no entanto, os laboratórios poéticos da Universidade Fernando Pessoa, na interminável Rua dos Douradores, aguardam que eu diga sim ao não.

Ao memso tempo a fumaça preta do furacão avança sobre os céus da Europa. A neblina negra move o mundo de cabeça para baixo. O vulcão no Chile cobre de poeira Buenos Aires e Porto Alegre é pura poeira preta pelas ruas.

Impossível sair da sala das refeições sem olhar mais uma vez para a fruta descansando sobre a mesa.