May 21, 2009

Crátilo

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Inflamadas, aos berros, silenciosamente perversas, candidamente belas.

Malditos palavrões de merda, esperadas e esquecidas todas essas porras e caralhos e esses duros e insatisfatórios vexames vernaculares. O vernáculo é o rabo da puta que pariu santos e beatos pais devotos e mães dedicadas, putas, belas, apenas palavras ressoando no Crátilo, nas sintaxes combinatórias, nos despachos ministeriais e nos mistérios das oferendas a Oxalá que tudo fique aberto para o desejo de abrir e enfiar um envelope na fresta da janela que se abre para o jardim.

Após pronuciar essas palavras, em maviosa voz, a pequena criança de apenas 10 anos, assoou o nariz e disse que se sentia levemente gripada. Uma mão carinhosa ofereceu-lhe um lenço branco e imaculado. A criança tomou o lenço e, com precisão cinematográfica, enxugou a furtiva lágrima que traia toda a pompa daquele estranho acontecimento.

Conto depois como foi - disse um terceiro.

Um silêncio tomou conta do recinto enquanto a criança recompunha seu estado de graça. O lenço, já não tão imaculado, apesar de sido usado por um santo, segundo se acreditava a respeito daquela criança, foi devolvido e depositado numa urna para ser levado a leilão em data a ser determinada.

Essas coisas acontecem – murmurou alguém.
A vida é assim mesmo, fazer o quê?

A criança sorriu e as pessoas começaram a sair da imensa sala. Uma revoada de borboletas azuis desfilou diante dos poucos que ainda restaram. Eram efeitos especiais, propósitos e desejos de fazer algo. Encontros, sorrisos, novos olhares para os mesmos ângulos, as mesmas insuficiências da alma.

Longe, lá do outro lado, na incerteza da noite, um lobo é o puro lamento. Ele é o caminhante que confia seu sono às árvores do caminho.

'O mistério é que não há mistério'. Não há caminho sem o teu olhar.