May 19, 2009

Terceiras intenções


Após os segundos exercícios aparecem as terceiras intenções. Na verdade são as primeiras tentativas de um processo de contemplação marcado pela memória. O procedimento é realizado com a importação para o palco de algo que está na biblioteca. Os tais livros suspensos no ar, lembrados por Borges. Um tempo dissecado e visível ao toque da pele. Um tempo feito de calda de açucar, de melaços de lembranças e de café entornado nas cercanias de um chá verde.

Ah, que estranho esse sentimento de olhar para o passado! Esse mergulho numa imagem que só existe na imaginação e num desejo pretérito perfeito. Essas inflexões tramadas nas fechaduras das imensas portas dos imensos prédios do centro de São Paulo. Ruas frias, labirintos sem minotauros, sem links de navegação ou promessas de outras paisagens.

A terra prometida está cercada de muros, arames farpados e o conforto traduzido pelo calor de uma lareira abarrotada de vinhos. Secos, suaves, tintos rubros de desejos calculados, prometidos, respirando o tempo de um vindima escondida no paralelo 38.

E, no meio da noite, volto a ler mais uma passagem do Prometeu e Epimeteu de Carl Spitteler. A imagem que aparece é a da cachorra, animal de porte e elegância, caminhando através do jardim, atravessar a varanda para então, com ambas patas dianteiras apoiadas no parapeito da janela, ficar espiando para dentro com o pescoço esticado e orelhas curiosas.