October 24, 2009

3:45 am




É madrugada. Releio, mais uma vez, a entrevista de José Saramago concedida ao jornal Folha de São Paulo. As palavras proferidas pelo escritor, que já alcançou a graça dos 86 anos, certamente traduz pensamentos e sentimentos de muitos.

São passados, desde então, quarenta horas de frio e fome viral. Uma desorientação espacial e emocional. Onde estou e o que sinto quando olho ao lado e vejo uma pequena flor delicada? Um lirismo recheado de terríveis intenções que carece de uma fundamentação metafísica.

A noção de comunicação formulada por Norbert Winer tornou-se ainda mais verdadeira. A arte de não dizer nada a todos. A linguagem torna-se, sempre mais, metafórica. Os sentidos das palavras mudam a cada frase. Na frase seguinte os sentidos trocam de enredo, enigmaticamente trocados por sentidos novos e absolutamente sem sentido.

As multidões, os grandes números, os milhões de leitores são cifras traduzidas em possibilidades publicitárias. Todos, em seus notebooks exibem suas intimidades. Atores, humoristas, políticos, empresários, poetas, encanadores, estudantes, todos eles igualadas na indiferença de todos. De repente tudo ficou preto de gente. A expressão de Elias Caneti ressoa nas reflexões de Sloterdjik enquanto Felipe Pondé, num relâmpago de celebridade, faz questão de falar dos charutos fumados e das taças de vinho derramadas sobre uma charla, absurdamente esquecida imediatamente.

A memória e os ressentimentos de rever os velhos amigos encharcados de academia e dos relatos insuportáveis chamados teoria. Todos citando todos num claro retorno babélico ao prazer de nada dizer e tudo ser compreendido. Basta o olhar de Beatriz, basta a música lânguida e penetrante. Surdos falando alto, cegos fotografando.

Línguas e arrogâncias recheadas de músculos e viroes. Não verás virose com essa. Dengues hemorrágicas traduzidas em belos espetáculos de cores e bossais biólogos, medidores de dilatações anais de insetos vermelhos, exibindo uma pança cheia de projetos e recursos estatais.

Espero o efeito da efedrina e da cafeína se aproximar do próximo neurônio. A ex-aluna entre aspas enviando mais um scrap para os amigos que irão bombar a balada na boca da noite e na clínica psiquiatrica.

Desligo. O avião não vai chegar. Mas a beleza está a minha frente e diante dela o mundo se cala. A beleza, agora no meu sonho, é esa criança oriental, essa menina de 3 anos ajudando a mãe a fechar a bolsa. A pureza contaminada pelo desejo de fazer algo.